A explicação oficial, ou oficiosa, para o número considerável de novos casos, em particular na área de Lisboa, é da nossa intensidade de testagem. Por exemplo, este foi o argumento usado pelo MNE para protestar junto de outros países contra a limitação à entrada de viajantes portugueses. Julgo que é um argumento que muitos leigos aceitarão acriticamente, habituados a ouvir sobre o mérito incontestável do nosso esforço de testagem. Mas será assim’
Em primeiro lugar, é preciso distinguir os efeitos no número de casos da testagem de massa e da testagem dirigida. Não conheço os números do primeiro caso, mas parecem-me em boa parte irrelevantes, porque não é nos grupos de risco sujeitos a testagem (hospitais, lares, forças de segurança, etc.) que se tem, visto aparecer um número significativo de novos casos.
Já em relação aos focos recentes, disseminados pela área de Lisboa, há duas diferenças. Primeiro, estão a ser identificados, na sua origem, por clínica e não por testagem, embora esta seja depois aplicada aos contactos. Em segundo lugar, podemos ter melhor ideia da dimensão da testagem, como “casos suspeitos” no boletim diário da DGS.
Este número é importante para avaliação do efeito da testagem no número de casos novos. Há uma regra básica: quando o aumento do número de casos é acompanhado por uma descida constante da taxa de positividade (novos casos a dividir pelo número de testes). deve-se admitir a explicação de um artifício no número encontrado de novos casos, derivado do esforço de testagem.
Os números oficiais (com possível erro meu de só dispor do número de testes a casos suspeitos) não indicam isso. O aumento de casos (média móvel de 7 dias desde 1 de junho até hoje) aumentou de 273 para 334 e, ao contrário do que se esperaria do efeito de testagem, como disse, a taxa de positividade da testagem não diminuiu, mantendo-se sempre à volta da média de 0,18.
Outra afirmação repetida é de que o aumento dos novos casos não tem a ver com o desconfinamento, porque é um aumento derivado do aparecimento de novos focos bem delimitados. Fraco argumento. E qual a causa dos novos focos, em bairros populares com grande contacto intrafamiliar, fraco distanciamento, necessidade de recurso aos transportes públicos? Isto, principalmente os transportes como fator inicial, não tem a ver com o desconfinamento apressado? Até posso retirar o termo apressado, mas substituo por desconfinamento menos avisado, com exagero de medidas em atividades de pouco risco e conciliação com o maior risco de outras atividades. Basta-me chegar à janela e ver as obras de construção de um grande edifício nas traseiras da minha casa. E até nem vi como os operários estão a vir nos transportes para o trabalho.