Na generalidade dos casos, os institutos de investigação que pretendem, muito louvavelmente, contribuir para o combate à COVID-19 estão a centrar-se na realização de análises.
Nesta fase, os testes mais confiáveis e em uso generalizado são os de deteção de RNA viral por cópia em cDNA e amplificação. Os testes rápidos, que detetam antigénios virais, ainda estão em fase de comprovação e a sua sensibilidade pode não ser suficiente para os objetivos de diagnóstico e de rastreio correspondentes a esta fase da epidemia.
Os testes de amplificação em uso são, conforme os países, de RT-PCR ou de PCR em tempo real. Em Portugal, tem-se usado o PCR em tempo real. Não consegui apurar de que tipo é o teste agora preparado pelo Instituto deMedicina Molecular (iMM). Sei que, no Instituto Gulbenkian de Ciência, estão a ser preparados ambos os testes mas desconheço qual o que mais provavelmente será escolhido no fim, e quando. Também no I3S do Porto
Como afirmou com honestidade a diretora do IMM, as “receitas” foram disponibilizadas pelas autoridades de saúde de vários países, estão no sítio da OMS e estão ao alcance de qualquer bom e bem equipado laboratório d biologia molecular.
Devem ser consideradas as limitações prováveis com que Portugal se pode deparar e que poderão orientar a oferta de serviços por parte de instituições exteriores ao SNS:
- Kits. É a principal razão apontada pelo IMM e outros para o seu esforço louvável, mas pode-se duvidar da importância prática dessa oferta. Aliás, não é claro o que se quer dizer. 300 a 1000 testes por dia significa a capacidade de um determinado instituto de investigação para realizar o próprio teste ou a capacidade para produzir o kit? A síntese dos primers e da sonda fluorescente exige equipamento com capacidade limitada mas desconheço os dados reais. Também a disponibilidade dos reagentes necessários (nucleótidos, transcritase reversa, polimerase Taq, marcadores fluorescentes) que parece não estar em dúvida. De qualquer forma, a oferta diária de centenas ou poucos milhares de testes por institutos de investigação vai ser um contributo estimável mas relativamente simbólico quando –idealmente – tivermos de testar dezenas de milhar de amostras por dia.
- Equipamento. Para um vulgar teste de RT-PCR há sobeja disponibilidade de equipamentos. Já me é menos clara a situação em relação a equipamento de q-PCR ou PCR em tempo real. Sei que todos os grandes hospitais e os principais laboratórios particulares de análises mos usam rotineiramente para diagnóstico de diversas infeções virais e bacterianas mas desconheço o seu número exato.
- Pessoal. Novamente, desconhece-se se haverá falta de técnicos habilitados a executar os testes. Por outro lado, será contraproducente procurar suprir eventuais carência com pessoal não treinado, com alta probabilidade de erros de testagem.
- Segurança. Os testes são efetuados a nível BSL-2, portanto ao alcance de qualquer bomlaboratório de análises. A este nível, exige-se mais cuidados é com as operações geradoras de aerossóis mas que, no caso do SARS-CoV-2, se limitam às operações que precedem a inativação da amostra. A disposição final dos produtos residuais, que não são infeciosos, segue os procedimentos de rotina para qualquer lixo laboratorial.
- Validação. Embora seja de esperar que, no auge da crise, se dispensem os processos normais de certificação de resultados, é conveniente que eles sejam sempre validados por um patologista clínico ou um farmacêutico com competência em análises clínicas.
O que me parece:
- Há duas situações distintas a considerar: a) a produção de kits; b) a execução dos testes em institutos de investigação. Os pontos seguintes referem-se a esta segunda intervenção.
- A atuação dos institutos de investigação abrange a participação de especialistas de diversas áreas mas é conveniente que seja supervisada por um profissional de saúde ou, pelo menos, por um virologista.
- Essas atuações causam maior prejuízo do que benefícios se forem entrópicas, descoordenadas e desenquadradas das solicitações da DGS. Não são empresas a colocar produtos no mercado. Devem ajustar-se aos planos de emergência definidos pela autoridade sanitária para todo o dispositivo nacional de saúde e de ciência.
- Parece prudente e sensato que as ofertas sejam feitas na retaguarda, diretamente à DGS e sem desnecessária publicitação. Não vejo vantagem, antes riscos de fragmentação, na constituição de redes centradas num hospital em particular.
- As atuações devem ser enquadradas pela apreciação geral das condições de cada instituição, em termos não só de recursos científicos e humanos mas também de segurança, fiabilidade de resultados e adequação ao seu plano de contingência.
- Os produtos de PCR devem ser conservados para investigação futura. Creio que, idealmente, deviam ser todos conservados num bio-banco nacional, de acesso geral (nacional e internacional), por mais compreensível que possa ser o desejo de cada instituição de dispor do seu próprio material biológico.