Também o bacalhau anda em bolandas, apesar de sempre dito intocável, quase património nacional. Apenas quatro notas, duas das quais com receita.
Bacalhau à Gomes de Sá
A receita não se perde nos séculos e pode ser lida na sua versão original. Manuel Gomes de Sá, comerciante de bacalhau no Porto no princípio do século XIX, deixou-a escrita. Provavelmente, foi criado para um almoço ou jantar de uma tertúlia gastronómica. Escreveu Gomes de Sá ao proprietário do Lisbonense, que divulgou o prato, “João, se alterares qualquer coisa já não fica capaz”. Concordo inteiramente.
Não sei como é feito o que se come por aí, mas eu sigo fielmente a receita e todos os meus convidados dizem que é outra coisa. Os truques são, essencialmente: a) o bacalhau não é fervido, apenas escaldado (7 minutos, diz a minha experiência), com a pele para baixo, em água acabada de levantar fervura, com a panela tapada, fora do lume; b) a seguir, é abafado em leite aquecido; c) a cebola não deve ser alourada demais, ficando translúcida e ainda ligeiramente crocante; d) o azeite deve ser virgem extra, de muito boa qualidade.
Bacalhau à lagareiro
Assado, regado com azeite com alho. Nada mais simples, não é? Falso, tal como os seus derivados polvo ou choco à lagareiro.
O nome vem de os produtores de azeitona, ao levarem o produto ao lagar, prepararem habitualmente um certo bacalhau no forno do lagar. O meu sogro, transmontano, lembra-se bem disso.
Conforme a descrição de Maria de Lourdes Modesto, a preparação é mais complicada. O bacalhau, antes temperado com alho e pimenta, é passado por ovos batidos e pão ralado (não faltará aqui a habitual passagem inicial por farinha?) e disposto numa assadeira, coberto com lascas de manteiga. Junta-se o azeite, sem cobrir e, eventualmente, um pouco de leite em que se abafou antes o bacalhau. Vai a assar e serve-se com batatas cozidas.
Bacalhau espiritual
Vulgarizou-se o nome, mas o original é bacalhau à Cozinha Velha. Segundo conta Virgílio Nogueiro Gomes, notável gastrónomo, a receita vem de França, derivada de uma “brandade”, adquirida pela Condessa Almeida Araújo, primeira concessionária do restaurante Cozinha Velha, anexo ao Palácio de Queluz.
Já o comi de todas as formas e feitios, mas frequentemente uma massa seca, sem pouco mais sabor do que o do bacalhau (quando não é posto em pequena quantidade) e excesso de cenoura. É certamente menos trabalhoso do que o que ainda fiz anteontem, mas certamente vale a pena. Penso eu de que…
A receita que faço foi publicada em “Tesouros da Cozinha Tradicional Portuguesa”, com textos de Maria Emília Cancella de Abreu e editado pela primeira vez em 1984 pelas Selecções do Reader’s Digest. A que vai a seguir é a minha adaptação à Bimby. Poupa muito trabalho.
Béchamel: 3 c. sopa de manteiga (60 g), 3 c. sopa de farinha (60 g), 1 l de leite, sal, pimenta preta, noz moscada.
Bacalhau: 3 postas grandes de bacalhau (600 g limpo), 1 cebola grande (150 g), 2 cenouras grandes (120-130 g), 1 c. sopa de azeite (20 g), 1 c. sopa de banha (20 g), 1 c. sopa de manteiga (25 g), pão (100 g), leite q. b.
2 ovos.
Alho, louro, sal, pimentas
1. Fazer o béchamel.
No copo, a manteiga. Derreter, 3m/100º/1
Juntar a farinha e envolver. 3m/100º/1. Leite e temperos, envolver. 6m/90º/4.
Dividir em duas metades e reservar.
2. Bacalhau.
Lavar o copo. Colocar a cebola e a cenoura em pedaços e o alho. Picar, 15s/-/5.
Abaixar com a espátula. Juntar as três gorduras e a folha de louro. Refogar, 5m/120º/1.
Remover o louro.
Juntar o bacalhau, em lascas, e desfiar, 15s/-/5. Acrescentar o pão demolhado em leite e escorrido e um pouco de uma das metades do béchamel, sal e pimenta preta e envolver, 15s/-/3,5. Cozer, 10m/100º/1,5.
Deixar arrefecer até cerca de 75-80º e juntar as gemas. Voltar a aquecer, 2m/85º/3. Misturar com o resto da metade de béchamel, 15s/-/3.
Reservar.
3. Claras.
Lavar o copo e secar bem. Colocar a borboleta e juntar as duas claras, com uma pitada de sal. tapar sem o copo-medida e bater, 2m/-/3,5.
Incorporar com um garfo na outra metade do béchamel.
4. Terminar.
Ter o forno pré-aquecido a 200º. Untar uma assadeira e colocar a mistura de bacalhau. Cobrir com o béchamel com claras. Polvilhar com queijo ralado e tosta ralada, mais lascas de manteiga. levar ao forno a alourar, cerca de 20 minutos.
Minha nota: servir com salada verde ou espargos verdes frios.
Bacalhau com natas
Outra coisa que há por todas cantinas, cattering e take away. É dos pratos que mais se vêm nas refeições volantes, mais o arroz de pato, coisas que se comem bem em pé e só com garfo. Já comi as mais diversas e disparatadas confeções, com puré de batata, com cubos de batata cozida e até com batata frita. Com temperos diversos. Com natas ou só com leite.
A origem erudita parece-me ser coisa com outro nome e hoje ausente das nossas ementas: o bacalhau à Conde da Guarda, de mestre João Ribeiro, do Hotel Aviz. Aqui vai, ditada pelo próprio, incluindo modificações minhas e uma adaptação para a Bimby. Depois de o provarem, não querem outro.
4 pessoas:
500 g de bacalhau ou 400 g de bacalhau desfiado, 600 g de batata Astérix, 3 dentes de alho, 3 c. sopa de manteiga, 4 dl de nata, 2 gemas, sumo de limão, queijo ralado, sal, pimenta preta, noz moscada.
“Cozer o bacalhau e as batatas, passando estas pelo peneiro. Retirar as peles e espinhas ao bacalhau e pisá-lo com alho. Deitar este preparo numa panela e levar ao lume, juntando 2 cs de manteiga e a batata e mexendo bem. Adicionar aos poucos 3 dl de natas, mexendo bem para massa bem lisa. Temperar com sal, pimenta e noz moscada. Untar com manteiga um prato de ir ao forno, deitar dentro o conjunto, alisar e polvilhar com queijo ralado. Salpicar com manteiga derretida e levar ao forno a gratinar”.
Quando faço este prato, respeitando o essencial da receita, a minha variante é preparar o bacalhau não cozendo mas escaldando em água acabada de ferver e depois leite, como descrito anteriormente. Uso mais nata e junto também duas gemas de ovo em sumo de meio limão.
Bimby:
Desfiar o bacalhau: por duas vezes (até 300 g cada), 4s//inversa 5. Passar as batatas, bem cozidas (20 m): 5s//4. Prosseguir como na receita.