O artigo de Fátima Bonifácio teve muitas reações mas que, pelo escândalo das suas posições racistas, esqueceram a questão inicial, a das quotas para acesso à educação superior. Pessoalmente, creio que a autora apenas se serviu deste pretexto para destilar as suas posições gerais, mas se estou errado também não conta muito. O que me parece importante é discutir essa questão do acesso.
A ideia geral é a de que o acesso à universidade (por facilitismo, vou falar só da universidade) é rigoroso e meritocrático. A condição mínima é a aprovação (10 valores) no secundário e 12º ano, mais a aprovação em uma ou duas disciplinas essenciais. Isto vai selecionar os melhores? De forma alguma.
Em primeiro lugar, há cursos e cursos. Muitos, pouco seletivos, permitem o acesso a alunos tidos como medianos ou até medíocres, sejam ricos ou pobres, negros ou brancos, e ainda ficam vagas a sobrar. A discriminação positiva – isto é, a criação de um contingente privilegiado de acesso a minorias – não tem significado prático nestes casos.
No outro extremo, há os cursos muito seletivos: medicina e outros cursos da saúde, engenharias, economia, direito. Note-se que, talvez com a exceção da saúde, são cursos socialmente determinantes. Conduzem aos postos de direção ideologicamente hegemónicos no sistema económico-social, moldam o pensamento comum, fornecem os principais quadros políticos.
Qualquer análise científica mostra sem dúvida que há uma correlação entre o nível sócio-económico e de instrução da família, e as condições de acesso à educação superior. É dever social compensar este handicup. E nem falamos de emigrantes, porque a grande maioria de jovens em condições de acesso diminuído à universidade são de segunda ou terceira geração em Portugal, tão portugueses com eu.
E ninguém está a baixar o nível de exigência. O requisito mínimo mantém-se, só se compensa, e pouco, a competição gerada por factores sociais em alguns cursos importantes para a formação das elites.
Também me parece inegável que mesmo para os mais egoistas xenófobos, é de interesse geral e justifica parte do seu IRS termos uma sociedade inclusiva que evite tensões étnicas, mesmo terrorismo, como felizmente temos em Portugal.
A discriminação positiva, isto é, as quotas de acesso, já são praticadas há muito, nomeadamente nos EUA. Mesmo na net encontram muita informação sobre isto, mas creio que a resultante, mesmo com contradições, é positiva.
É claro que a discriminação positiva não dispensa todas as muitas medidas gerais visando a integração das comunidades exógenas. Mas também é inaceitável que se diga, como já tenho ouvido, que, sem uma política geral, não serve para nada a discriminação positiva. O ótimo é inimigo do bom!
Também se pode dizer que as comunidades desfavorecidas nem sempre coincidem com minorias étnicas. É verdade, também há muitos portugueses convencionais de segunda categoria. Mas a situação fica muito complexa para adequadas medidas políticas e a perspetivas étnica trará depois o resto.