Censura nas redes sociais?

Em geral, a emotividade irracional não é boa conselheira. Em política, é boa para arregimentar as hostes mas, em tempos atuais de maior cultura, maior ceticismo político, maior descrença em relação à política tradicional, a irracionalidade é venenosa. Aliás, toda a ideia de esquerda, de progresso, com relevo máximo para o marxismo, se baseou no iluminismo, no racionalismo, na mentalidade científica, no raciocínio crítico.

Vem isto a propósito de um caso que tenho seguido, de provável ou possível censura na net, aparentemente no Facebook (FB). Em princípio, a censura na net é coisa a não merecer dúvidas de princípio e há casos confirmados de complacência com regimes políticos, como o chinês. Também ninguém nega o que se passou com a Cambridge Analytics. No entanto, em cada caso concreto, para garantia de credibilidade, há que apurar bem os factos.

É fácil gritar “sou censurado”. Pode ser, pode não ser. Há tempos, o diretor psicologicamente peculiar… de um nosso jornal online, o Tornado, dizia-se vítima de censura, tendo-lhe sido congelada a conta do FB. Afinal, não era nenhuma censura. Para ganhar posição no mercado dos anúncios da net, clicava repetidamente no “like” e pedia aos amigos – eu incluido – para fazerem o mesmo, ignorando que há uma coisa chamada IP que identifica o nosso computador. Afinal, foi “censura” legítima a uma aldrabice, que também me levou a deixar de escrever em tal “jornal”.

O caso que tenho estado a seguir é mais sério, porque é relatado por pessoa que estimo e considero, o autor anónimo do blogue Estátua de Sal (ES)(, com página homónima no FB. Mas quando alguém que aprecio me “trai”, passo-me.

Em 21 de março, escreve ele que “todos os posts publicados no meu blog Estátua de Sal e divulgados nesta página e que tinham sido partilhados por milhares de pessoas foram eliminados esta noite pelos censores do Facebook a mando de quem anda a atacar as minhas publicações.”

O autor faz o que eu e muitos fazemos. Publica textos no seu blogue, alojado e construido pelo WordPress, e dá notícias desses textos na sua página de FB. Perguntei, sem resposta, o que tinha sido apagado, se os “posts” no blogue se as notas de divulgação no FB. Vou presumir que são as do FB.

Fui verificar, comparando as publicações no blogue e no FB, desde 18 de março, três dias antes do apagamento. A denúncia da Estátua de Sal vai com 99 comentários, quase todos exaltados. Será que sequer uma pequena percentagem desses comentaristas tentou apurar o que se passava, ou se limitou a acrescentar decibéis a essa enorme agressão de ruído informático que permanentemente nos agride a mente?

Também aparece nos comentários uma referência a eventual bloqueio de partilhas de “posts” no FB do ES. Não posso negar, mas tentei com todos partilhar para mim, em mensagem, e não houve problemas.

Entre 17 de março (quatro dias antes da sua denúncia) e hoje, a ES, no blogue, publicou 21 “posts”. TODOS aparecem divulgados na sua página do FB! Foram apagados e então reentrados pela ES? Vamos admitir que sim, por ser a única hipótese que explica os factos. V~e-se que reentrados sem dificuldades e sem censura. portanto, a censura foi ocasional e motivada por qualquer coisa que não se repetiu.

O mais provável é que tenha havido “denúncia” por leitores, um mecanismo conhecidamente existente no FB e que pode motivar a eliminação de “posts” pela equipa do FB. Já lá iremos mas, antes, é conveniente pensar um pouco no que é isto de “censura”.

Qualquer pessoa que mande um artigo de opinião para um jornal sabe que tem uma probabilidade bem reduzida de o ver publicado. No entanto, não diz que isto é censura porque, no mundo empresarial da imprensa privada, a liberdade de expressão é um mito. Censura é ao nível superior, como no nosso fascismo, o facto de o poder político impedir, não a expressão individual, mas sim a livre expressão dos órgãos de comunicação social.

Dito isto, é o FB um órgão de comunicação social, mesmo que, como dito, eles tenham a liberdade de publicar o que quiserem? É muito duvidoso. É uma plataforma privada, com os direitos inerentes em capitalismo. As regras do jogo são o que são e quem adere sabe ao que vai. Uso o FB porque me convém, não porque seja meu direito democrático. Não é um bem/serviço de âmbito social, regulado e ao serviço das pessoas. É um negócio, em que alinhamos. “That’s the capitalism, stupid!”.

No entanto, mesmo no sistema vigente, há regras a que os parceiros se sujeitam, nomeadamente as condições publicamente anunciadas de um serviço. É óbvio que o FB deve ter o direito de eliminar o que decida, mas com regras claras e anunciadas. Elas existem, para o caso de leitores se queixarem (denunciarem) de algumas publicações (“posts”), mas em casos definidos. 

São eles, segundo o sítio do FB: violência e comportamento criminoso; pessoas e organizações perigosas; promoção ou publicitação de crimes; mercado de drogas; suicídio e automutilação; nudez de crianças; exploração sexual de crianças e adultos; “bullying”; assédio; violação da privacidade, conteúdos cruéis, violentos e de ódio; “spam”; notícias falsas, violação da propriedade intelectual.

Parece óbvio que tudo isto é mais do que razoável. E também é óbvio que nenhum dos “posts” da ES cabe em qualquer destes casos. Portanto, está em causa uma clara violação das regras “contratuais” do FB, se pudermos chamar contrato ao acto de abrirmos uma conta no FB, com base nas regras estabelecidas. Então, a melhor forma de combater essa ilegitimidade não é a do protesto vazio, se bem que bem intencionado, mas sim a de atuar pelos meios jurídicos ao dispor.

Mesmo assim, fica-me alguma dúvida. Depois do caso Cambridge Analytics, o FB criou um dispositivo com cerca de 25000 pessoas para filtrar os conteúdos socialmente inaceitáveis, nomeadamente aqueles sujeitos a denúncias. Daniel Oliveira escreveu há pouco tempo um artigo sobre isto e está disponível no Youtube o documentário “The Cleaners”. É um centro nas Filipinas, empregando pessoal jovem e pouco qualificado, sem cultura internacional. Será que sabem discernir sobre denúncias de portugueses que atacam uma página política por defender coisa tão local como a geringonça’

Voltei a ir ver os comentários ao “post” da ES. Confirmo que, em geral, mas muito em maioria, são “gritos de alma”, “sound bites”. isto também é a net, e preocupante. Um meio fácil para gritarmos, sem pensar. A raiva não é um instrumento político (ou é, mas também para todos os lados, mesmo o fascismo) e a “indignação virtuosa” é ineficaz, cansativa e descridibilizadora.

Em conclusão, sou solidário com a ES se vítima de alguma forma de descriminação por razões políticas (não uso o termo censura nem falo de liberdade de expressão, por razões que expliquei). Mas tento sempre ser racional, rigoroso e compreender as situações. Talvez pecado da minha vida de cientista.

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